Porquê a farda inspira valores elevados?

Recentemente tivemos um debate sobre as crianças fardadas, onde um advogado da representação dos Direitos Humanos da OAB Federal, sem muito o que fazer, veio criticar a Polícia Militar do Estado de São Paulo por ter colocado em sua página do Facebook uma nenê fardada. Com a infeliz participação da Globo, foi aceso o debate e houve uma enxurrada de pais que postaram fotos de seus filhos fardados, fossem esses pais PMs ou não. Porquê a farda inspira tanta gente de bem?



A farda dos militares e o uniforme dos policiais traduzem para as pessoas de bem os mais elevados valores morais e sociais, por isso tantos admiram aqueles que escolhem uma vida para servir ao seu semelhante. Muito também se vê em relação à vestimenta (uniforme) de várias profissões como o jaleco do professor ou do médico, o capacete dos engenheiros etc; mas nenhuma toca tanto e inspira tanto como a farda.
Por isso apresentamos a análise do Coronel da Polícia Militar de São Paulo Roberto Allegretti, Mestre em Psicologia, que foi publicada na Folha de São Paulo de hoje, 1º de março de 2016.
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A representação simbólica da farda

ROBERTO ALLEGRETTI



A publicação pela Polícia Militar, em redes sociais, de foto de uma criança vestindo o uniforme da corporação reacendeu antiga discussão acerca da possibilidade de determinados símbolos interferirem negativamente no desenvolvimento emocional infantil.
"A criança foi colocada em situação constrangedora e vexatória", disse um ativista da área de direitos humanos. "A prática pode eventualmente envolvê-la em situações de tensão social", disse um professor de psicologia. Com a retirada da foto das redes para encerrar a discussão, pais de outras crianças, mesmo não militares, começaram a postar fotos de seus filhos fardados.
Com todo o respeito aos que opinaram, algumas questões ficaram no ar: quais seriam exatamente o constrangimento e o vexame impostos à criança? E qual situação de tensão social foi criada pela exposição da foto? Parece não haver respostas convincentes a essas perguntas.
Talvez as questões mais relevantes, as que realmente mereçam reflexão, sejam estas: por que a farda exerce tanto fascínio entre as crianças?; por que esse fascínio também alcança os adultos, a ponto de vestirem seus filhos com réplicas infantis?; qual o real impacto do uso de uma réplica de farda no desenvolvimento emocional da criança?
Com suporte em teorias consagradas, pode-se afirmar que o imaginário da criança é habitado por fantasias relacionadas ao desejo inconsciente de realização e reconhecimento, na perspectiva da construção da própria identidade. Assim, na fantasia, ela pode ser um grande jogador de futebol ou um militar que participa de algum ato heroico.
Nesse contexto, o fascínio por certos elementos materiais, como o uniforme de um clube ou a farda de uma instituição militar, decorre de seu expressivo valor simbólico, já que estão ligados ao reconhecimento social que a criança quer alcançar. São elementos concretos idealizados em sua fantasia.
Por que, então, esse fascínio pode perdurar na idade adulta? Não raro, muitos adultos se surpreendem envolvidos em pensamentos mágicos ou fantasias recorrentes, por conta de situações concretas de difícil solução ou de desejos não realizados.
Para essas pessoas, vestir uma farda em seus filhos significa muito mais do que aderir à fantasia do infante. Significa realizar-se por meio dela, recuperando seu lado infantil, ou mesmo projetar para o filho um futuro em que essa construção imaginária torne-se realidade.
E a utilização de fardas em brincadeiras infantis causaria algum problema futuro para a criança? A resposta é negativa. Para o pediatra e psicanalista britânico D.W. Winnicott, o ato de brincar –de jogador, médico ou policial, por exemplo–, além de não prejudicar, tem papel decisivo no processo de adaptação à realidade.
Já em sentido inverso, se for um símbolo socialmente reconhecido e houver alguma relação entre ele e a realidade próxima, como ter um militar na família, poderá atuar positivamente em seu desenvolvimento.
Concluindo, inexiste explicação fundamentada para a polêmica, sustentada apenas no preconceito contra as instituições militares ou na frustração dos autores das críticas, por nunca terem realizado eventual desejo de vestir uma farda.

ROBERTO ALLEGRETTI, 64, coronel da reserva da Polícia Militar e mestre em psicologia, é presidente da Associação Fundo de Auxílio Mútuo dos Militares do Estado de São Paulo


Para quem quiser lembrar do episódio, sugiro assistirem a este vídeo.

Grande abraço a todos!

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